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Vamos falar de empatia e desigualdade?
Posted 03/05/2017
on:Até que ponto a desigualdade depende do ponto de partida familiar da pessoa e como isso afeta a economia como um todo? Essa grande reflexão é em relação ao maior ativo econômico de toda nação: seu povo. É o povo quem produz, é o povo quem consome, é o povo quem elege.
As diferenças de acessos, principalmente em sistemas que não atendem a universalidade de sua demanda, são cruéis. Não se trata de ter ou não renda para adquirir um plano de saúde, se trata de ter ou não saúde por conta da precarização da oferta.
Isso se reflete em todas as esferas: educação, habitação, saneamento, segurança, acesso a espaços culturais e de fruição. Isso afeta o sentido de pertencimento do indivíduo no contexto de nação, sua dignidade e sua capacidade de se manifestar político e economicamente.
Falar de meritocracia nesse contexto chega a ser piada, as regras do jogo são diferentes desde o inicio, logo a competição é injusta. Aventar os casos de superação é o mesmo que considerar que a média é a excelência, esquecendo que o termo “medíocre” significa justamente o que não sobressai. Exceção não é regra.
Quem perde com a desigualdade? Absolutamente todo mundo, tanto os grandes acumuladores de capital quanto as pessoas nas situações de maior vulnerabilidade social. O homem deveria ser livre para manifestar sua potencialidade e ter apoio de sua comunidade para isso, caso contrário ele não vive, apenas aguenta. Quando apenas poucos podem muitos se ressentem, a dispersão de forças não permite movimento, quiçá para cima (crescimento).
Sendo mais pragmática, podemos tratar de uma boa alternativa à supressão de direitos que estamos vivenciando no Brasil.
Existe uma grande polêmica entre aumentar ou não a carga tributária de quem de fato concentra renda. Em minha opinião a desculpa de que isso poderia inibir investimentos, consequentemente reduzindo empregos e desacelerando a economia, é falácia.
Ninguém se privaria de aumentar a própria renda com investimentos lucrativos por conta de carga tributária e qualquer administrador sabe que entre personalidade física e jurídica há muitos meandros contábeis, tributários e jurídicos que podem ser explorados. Basta o custo do investimento ser menor que o seu retorno, descontando o custo da moeda no valor presente para valer a pena.
Se a economia favorecer investimentos, os tributos não influenciarão em nada a atividade empresarial. Estamos falando de grandes fortunas e não de aumentar taxas que incidem sobre o negócio. Essa discussão é mais moral do que prática.
Com isso as reformas propostas alegando falência de sistemas e falta de recursos caem por terra. Há muito o que fazer antes de cortar os poucos direitos do povo, como por exemplo, cobrar os inadimplentes, repatriar desvios, etc.
A desigualdade vai sempre existir, diferentes pontos de partida, diferenças de desempenho, de acesso, de sorte, vão sempre gerar concentrações de renda desiguais. Antes que os mais céticos questionem a sorte: “na obra “El tesoro de Sierra Madre”, um velho garimpeiro explica que o ouro vale tanto que faz de quem o encontra rico, graças ao infortúnio de quem o procurou e não encontrou.”(Krugman, 2016). Logo sorte é sim um fator e desigualdade é sim algo natural em virtude da diversidade de recursos, oportunidades e atitudes.
Porém, a desigualdade extrema é uma anomalia, uma perversão do sistema que se reproduz, o satura, e por fim o destrói, haja vista a dimensão das crises econômicas mundiais contemporâneas.
Não existe lá fora, tudo está conectado. É inadmissível pensar que o que afeta alguém longe da minha realidade não irá, mais cedo ou mais tarde, me afetar também.
Como eu posso ver algo positivo em uma reforma trabalhista que permite que o trabalhador rural receba uma “remuneração de qualquer espécie”, o que pode ser simplesmente fornecer moradia e alimentação? (http://www.valor.com.br/politica/4953786/leis-do-trabalho-rural-devem-mudar). Se “Ponte para o progresso” significa revogar a Lei Áurea ampliando a escravidão ou “servidão feudal medieval” para uma parcela da população, tenho medo do que seria retrocesso!
Empatia atualmente é definitivamente a pedra filosofal da sustentabilidade.
Falta espaço no post para tanto contrassenso. Todo mundo discutindo qualidade de vida e redução da jornada para ampliar o consumo e a disponibilidade de postos de trabalho e nós, no Brasil, aceitando uma proposta que considera até 12 horas ou aceita “trabalho intermitente”.
O que me choca? A cegueira causada por uma falsa ilusão de manutenção de privilégios. Se você faz conta para fechar o seu orçamento e tentar poupar algo, acredite em mim, você não faz parte do 1% mais rico e sim do 99% trabalhador que depende da saúde do sistema para se manter. Você não está invulnerável, você é povo, massa, e estará cada vez mais pobre com a perda do poder aquisitivo.
O que acontece com o outro é problema seu, meu, nosso. Não existe lá fora para gente, estamos no mesmo barco!
Stiglitz, Joseph E. (2012). “El precio de la desigualdad Estados Unidos ya no puede considerarse la tierra de oportunidades que alguna vez fue”.Em Diario El País http://economia.elpais.com/economia/2012/06/15/actualidad/1339754056_983920.html
Krugman, Paul. (2016) “¿Es necesaria tanta desigualdad? Podemos redistribuir una parte de los ingresos de las élites sin entorpecer el progreso” Em Diario El País